Jeronymo Monteiro

O escritor Jeronymo Barbosa Monteiro (1908-1970) é um marco fundamental da literatura infantil e juvenil do Brasil. Foi um dos precursores do rádio-teatro, criador do primeiro detetive brasileiro e da primeira série policial. Mas, acima de tudo, é sempre lembrado como "Pai da Ficção Científica Brasileira".

OS VISITANTES DO ESPAÇO


“O homem pensa continuamente
em domínio, em conquista, em poder.
E julga todos os outros seres
pelos seus próprios padrões.”

visitantesBEm Os Visitantes do Espaço (Edart, 1963), seres provenientes de Io (um satélite de Júpiter) veem à Terra em busca de hidrogênio contido em vapores de água, cuja escassez em seu planeta haverá de dizimá-los (impossível não pensar na atualidade do tema, quando nos lembramos do crescimento constante do buraco na camada de ozônio). Alguns terráqueos não acreditando nas intenções pacíficas dos Ionas acabam por confrontá-los e iniciam uma batalha interplanetária que só poderão perder.

Inquirido por um jornalista, que pretende saber se os visitantes não têm, realmente, nenhum interesse de dominação, ainda que velado, o engenheiro Hughes responsável por mediar as negociações entre os terrestres e os visitantes do espaço responde: “vocês não pensam, noutra coisa? Não compreendem que possa haver outros interesses além dos de conquista e domínio? Eu creio bem que isto é um mal humano. O homem pensa continuamente em domínio, em conquista, em poder. E julga todos os outros seres pelos seus próprios padrões. É uma verdadeira obsessão! E se eu lhes dissesse que em Io não há nenhuma espécie de arma de guerra, vocês acreditariam?”. O engenheiro Hughes percebe que o egoísmo e a crueldade, o orgulho e a estupidez, superam nos humanos os sentimentos de piedade, amor, condescendência e tolerância, inexistentes nos Ionas.

É ainda o próprio Hugues que dirá mais à frente: “Não há remédio mesmo. O homem é incorrigível e teimoso. Eu disse aos Ionas que era melhor não se meterem com os humanos. Mas eles não acreditam que possa haver povos que pensem apenas em guerra e conquista e que não vivam em paz. Eles não compreendem, de modo algum, que se usem armas de destruição e que povos se assaltem uns aos outros como animais ferozes. Quando lhes descrevi as miseráveis condições em que vivem os humanos, em constante disputa, em constante perigo de guerra, sustentando exércitos armados, empregando o melhor de sua atividade e das rendas de seus países para a manutenção da máquina de guerra, eles não quiseram acreditar. Acharam que isso seria prova de tamanha imbecilidade que não podia ser verdade, a menos que os humanos vivessem como animais, sem cidades, sem cultura, sem livros, sem telescópios, sem ciência médica. Não acreditaram, simplesmente. Perguntaram se a Terra vivia sob o domínio de várias raças de animais diferentes, muito poderosas. Se fosse assim, disseram eles, poderia ocorrer a disputa. Mas eu lhes disse que não. Que na Terra só há uma espécie inteligente, a espécie humana… E então, é que eles riram na minha cara!”.

O que Jeronymo deixa claro é que tais sentimentos não garantem a superioridade dos seres, sejam eles humanos ou não. Hugues ri das precauções que as autoridades tomam contra os Ionas, porque julgam os alienígenas sob a ótica dos seres humanos: “tinham os pobres homens importantes colocados sobre seus ombros a responsabilidade espantosa de proteger a Terra e a Humanidade; de livrá-la de todo o mal, de assegura-lhes toda a felicidade, como vinha fazendo desde longos anos. Não atinavam que os perigos para os quais estavam alertas eram justamente aqueles mesmos que ameaçavam nossos próprios irmãos terrestres”.

O autor critica severamente o governo que é regido por interesses egoístas, que não está preocupado com o povo, mas sim comprometido com os interesses de poucos: “governos das principais potências se preocupavam com o assunto e mandavam investigar, conservando em segredo o resultado das investigações. Com medo que houvesse outra potência maior”. Nos dois exemplos Jeronymo critica os governos que não estão preocupados com o povo, mas sim comprometidos com o interesses de poucos.

O Homem Agaloado e o Grande Homem, personagens tipo que representam as autoridades governamentais e militares em Os Visitantes do Espaço, nos dão uma ideia de como funciona a sociedade e, quais são seus valores e interesses. Os oficiais queriam o fuzilamento do Homem Imaginativo (o representante da classe intelectual, das pessoas esclarecidas, que levantava dúvidas sobre a posição das autoridades), mostrando que a força está quase sempre acima da razão. O Homem Agaloado (chefe das forças de ataque aos invasores) de “olhos duros e frios” preferiu a morte a admitir que fora derrotado pelos supostos inimigos.

Através do discurso de Hugues, Jeronymo mostra, com ironia, sua desaprovação aos sentimentos de orgulho, mesquinhez, crueldade de uma raça que ainda está engatinhando em termos de sentimento e desenvolvimento: “Amanhã os Ionas irão embora e vocês ficarão com seus pequeninos interesses, seu desmedido orgulho, sua incomensurável mesquinhez. (…) A Raça Humana é a mais egoísta e cruel de todas as que habitam o nosso Universo. Dia virá em que se corrigirá desses defeitos — mas muito terão que chorar e sofrer em sua própria carne por não aceitarem a evidência e fecharem os olhos deliberadamente aos grandes sentimentos”.

No que diz respeito a presunção do ser humano, Jeronymo vai muito além em suas críticas sobre a natureza do homem. Revela estar aí a origem de todos os problemas da nossa civilização, pois o homem não admite a existência de seres superiores a ele, nem mesmo Deus, uma vez que faz o jogo inverso da criação, colocando-se como criador desse Deus.

Em seu outro romance, 3 Meses no Século 81, Campos, o viajante do tempo, pensava na humanidade do século 20 e na do século 81, enquanto deslizava sobre suas sandálias rolantes: “Como essa, cada civilização trazia em si a soberba sem limites do homem pretensioso e vão, animal acidental na superfície da Terra! ele sempre se julgara a si próprio como sendo o último desígnio de um Deus que ele mesmo criara! julgara-se obra-prima da Natureza, o ponto final da Criação!”.

Esse mesmo tema é abordado através das reflexões do Homem Imaginativo em Os Visitantes do Espaço: “O homem criara um Deus à sua imagem e semelhança e obrigara-o a conferir realeza e ascendência sobre tudo o que existe. Em troca, adorava esse Deus, erguia-lhe templos e proclamava ser ele o senhor de todas as coisas, pregava a obediência aos seus mandamentos, mas só a praticava quando isso coincidia com seus próprios interesses imediatos. e com isso, julgava-se autorizado a praticar toda a espécie de loucuras e crimes, sempre pronto a afirmar que o fazia para servir aquele mesmo Deus… entre as coisas estabelecidas pelo homem, sob a égide da onisciência divina, estava a do monopólio da raça humana, da inteligência, sabedoria, beleza e poder em todo o Universo. O homem — Rei da Criação”.

Com esses dois trechos fica claro que é o homem que dirige seu próprio destino e que são suas qualidades que irão conduzi-lo onde quer que queira chegar para o bem e para o mal. Os resultados poderão ser magníficos ou catastróficos, segundo o uso que fizer de sua inteligência e de seus sentimentos.

Tanto em uma como em outra obra o autor para explicar a importância do homem em relação ao Universo, utiliza a palavra “musgo” para fazer a comparação ”o musgo assim como o homem em relação à grandiosidade do Universo é pequeno, simples e insignificante: “somos simples acidentes sem importância, uma espécie de bolor inútil na superfície do planeta como o musgo que nasce nas velhas paredes”. O Capitalista Sonhador refuta a comparação que o Homem Imaginativo faz, em Os Visitantes: Nós não somos musgos! Afinal somo seres superiores…”.

Percebe-se claramente nos seus textos a preocupação social que norteou seu trabalho. Ele também está convicto de que tudo fazemos para tornar mais difícil a vida que nos foi dado viver. Nas palavras do viajante do tempo: “O caminho da humanidade tem sido espinhoso. Tem sido difícil e amargo! Os homens têm atravessado mares de sangue e de lágrimas, mas tem avançado sempre, apesar de tudo. Há qualquer coisa de brutal e cego na marcha imponente deste ser tão humilde e tão divino!”.

E é nessa permanente inquietação do ser humano diante do destino que lhe foi dado, é que reside todo o drama dos personagens de Jeronymo.

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Publicado em 15 de julho de 2015 por em Sem categoria.